
DIREITO À HONRA VERSUS DIREITO À INFORMAÇÃO
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)
Num mundo cada vez “redesocializado”, o direito à informação ganha cada vez mais espaço por depender de apenas um click, muitas vezes sem ter tido o olhar crítico de uma segunda pessoa. Num mundo cada vez mais global, os jornalistas confrontam-se quase diariamente com um dilema actual: o direito à honra, bom nome e reputação das pessoas e o direito à informação, onde o interesse público é a variável-chave para a construção de uma notícia ou reportagem.
Se, por um lado, um médico quase toca com as suas próprias mãos na saúde dos pacientes; um banqueiro “mexe” nos bolsos dos clientes, o jornalista “brinca” com a honra e boa reputação das pessoas. A saúde, a segurança financeira e a honorabilidade das pessoas (cujo mumus estas profissões conformam) são três aspectos fundamentais e caríssimos à vida humana, como já alertava o nosso compatriota jornalista Gabriel Tchingandu.
Tocar na vida, nos dinheiros ou na reputação alheia requer muita capacidade técnica, experiência e rigor profissional. Não se pode brincar com realidades decisivas das pessoas, que, em certos casos, podem ser de vida ou morte; de tudo ou nada.
Pelo facto de a profissão jornalística, no direito à informação, ter a capacidade de “brincar” com a honra e dignidade das pessoas, precisamos de ganhar mais consciência de que vivemos num eterno conflito entre o direito à informação pública e o direito à preservação da honra e boa fama das pessoas. E é pelo facto de termos de exercer a profissão com rigor, objectividade, imparcialidade e isenção que conseguimos salvaguardar a vida e dignidade dos outros.
O exercício jornalístico não é uma mera denúncia, tal como já nos referimos noutros artigos. A denúncia não vai à busca do contraditório. A denúncia é unilateral. Na denúncia, que pode ser feita por qualquer cidadão, o visado pode ser acusado de ter feito A ou B. E, se não for uma denúncia verdadeira, o visado pode levar a tribunal o denunciante por ferir a sua honra, reputação, boa fama, imagem e dignidade. Isto é um aspecto que é preciso saber separar para interpretar fielmente a essência da nossa tese.
Num exercício jornalístico sério, dificilmente o jornalista vai a tribunal por ter violado direitos de personalidade de alguém, pois se parte do princípio de que o jonalista está habilitado, com formação séria, para informar sem atropelar a dignidade dos outros. E como é que ele consegue isso? Fazendo recurso à investigação. É na fase de investigação que o jornalista consegue obter outras versões do fenómeno que ele pretende reportar, onde o contraditório ganha espaço.
E se a pessoa em causa não quiser falar, o jornalista não informa? Depende do caso. Se a pessoa singular ou colectiva em causa pedir para o jornalista aguardar um pouco para reagir noutro momento, por se encontrar ocupada com alguma coisa, para salvaguardar a sua dignidade, o jornalista pode fazer fé das suas palavras. Pode congelar um pouco a sua matéria. Mas se a pessoa se mostrar sempre indisponível para falar, o jornalista tem de ter provas que mostrem que tentou conseguir o contraditório, sem sucesso por opção da pessoa visada. E, na peça jornalística, deve mesmo dizer que tentou conseguir o contraditório mas a pessoa recusou-se a fazer a sua defesa. Atenção aqui nesta fase: uma chamada privada, sem autorização da pessoa visada, não pode ser publicada como “contraditório” se a pessoa não autorizar a divulgação da gravação. Ou seja, o jornalista (sério) não pode fazer uso de uma chamada privada, gravada sem o consentimento da pessoa visada, para fazer uso do contraditório. O contraditório tem de ser obtido por pronunciamentos autorizados pela fonte. A fonte deve saber que se trata de uma entrevista. Só depois de aceitar dar a entrevista é que o jornalista pode gravar e usar as suas palavras para o contraditório.
São estas provas que o jornalista pode usar em tribunal para mostrar ao juiz que ele fez o seu trabalho, tentando preservar os direitos de personalidade da pessoa singular ou colectiva, caso a pessoa o acuse de ter feito o seu trabalho violando os seus direitos.
Esta é a parte teórica, que temos estado a chamar atenção nos últimos dias, para não cairmos na tentação actual de se condenar antecipadamente pessoas no exercício da Imprensa.
Dissemos que, por exemplo, em muitas peças que o Maka Angola do Rafael Marques de Morais veicula não se vê o uso de versões que defendam o bom nome, honra e reputação das pessoas alegadamente envolvidas em crimes de peculato e outros.
O que nós afirmámos é que o Maka Angola é mais um portal de denúncias (unilaterais) do que de jornalismo de investigação. Para que fosse tido como jornalismo de investigação, as peças tinham de mostrar o contraditório ou pelo menos a sua tentativa, coisa que não se lê nos textos do Maka Angola. E estamos a assumir isso com toda a responsabilidade. Aliás, o senhor Rafael Marques não foi condecorado pelo Presidente da República João Lourenço por ser um grande jornalista, como tal. O exercício jornalístico tem regras próprias. Ele foi condecorado pelas denúncias (unilaterais) contra José Eduardo dos Santos, sua família e próximos, que sempre fez no seu portal, quando José Eduardo dos Santos era ainda Presidente da República de Angola. Foi a sua coragem de denunciar actos ilegais contra o Estado angolano que esteve na base da sua recente condecoração. Foi o seu activismo político que lhe deu a condecoração.
Para ser considerado “jornalismo”, o uso do contraditório – ou a sua tentativa, que deve ter provas – é sagrado quando se veicula uma notícia que coloca em causa a dignidade dos outros.
Até um criminoso comprovado tem de ter direito à palavra. É isso que nos temos estado a defender nos últimos tempos, o que não está a ser compreendido por jornalistas conceituados que acham que basta haver interesse público para se violar os direitos de personalidade, colocando o direito à informação acima do direito à honra das pessoas, coisa com a qual não concordamos pelas razões invocadas neste e noutros textos.
Portanto, nós defendemos o exercício jornalístico sem haver necessidade de se matar necessariamente a personalidade dos outros. Isto até faz parte do “Amor ao Próximo”. E achamos muito estranho quando vemos pessoas supostamente “Cristãs” a defender vinganças de qualquer jeito.
Nós não entramos em causas que violem os nossos princípios enquanto pessoas. Até prova em contrário, todos nós somos pessoas. E ninguém aqui é o “Deus da opinião”.
Carlos Alberto
11.02.2020