FALTOU ESCLARECER MUITA COISA MAS HOUVE NOTÍCIA NA RTP
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)
Faltou esclarecer muita coisa na entrevista de ontem/hoje com a empresária Isabel dos Santos na RTP África (para nós em Angola). Com uma entrevistada com o perfil de Isabel dos Santos – que sabe desenvolver as suas ideias com fluidez no raciocínio -, era quase impossível esclarecer tudo. E penso que a RTP – uma televisão onde eu já trabalhei – sabia disso, por ser uma televisão séria. A entrevista, como eu já disse várias vezes em workshops, seminários, palestras, entrevistas e aulas, é uma “luta intelectual”. O entrevistado (em qualquer parte do mundo) quer sempre vender o seu peixe. Quer sempre mostrar que é “o bom da fita”. Isto acontece com todos. O entrevistador, por sua vez, em qualquer parte do mundo – menos na TPA, cito apenas um exemplo, há outros, pode fazer uma “Grande Entrevista” sem conseguir notícia, sem marcar golo – quer sempre obter notícia. O Vítor Gonçalves fez bem o seu papel. Aliás, ao longo de toda a entrevista, sempre buscou explorar aparentes contradições no discurso da entrevistada, coisa que os nossos entrevistadores angolanos pouco fazem. Em Angola, contam-se quem consegue fazer uma “Grande Entrevista” como mandam os manuais de jornalismo. Há até quem já tenha lançado livros de “Grandes Entrevistas”, mas que não são um grande exemplo para a nova geração de jornalistas.
A senhora entrevistada Isabel dos Santos também fez bem o seu papel: explorou as perguntas para esclarecer ao máximo o que queria.
Temos aqui um bom exemplo: a RTP conseguiu ter notícias fruto da entrevista. A senhora Isabel dos Santos conseguiu aproveitar a oportunidade para fazer uma acusação grave contra o Presidente da República João Lourenço e contra o ex-vice-presidente da República Manuel Vicente, mostrando uma programação de perseguição contra a sua pessoa. Isto é notícia em qualquer parte do mundo – em países normais.
O meu espanto é que a nossa imprensa pública angolana não fez, até agora, notícia sobre as acusações que Isabel dos Santos fez.
Por que será? Será que a tal Liberdade de Expressão e de Informação e Liberdade de Imprensa, que fazem parte dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, uma variável que o Presidente da República João Lourenço sempre apregoou como sendo marca positiva do seu mandato, não é verdadeira? Nunca tivemos de facto Liberdade de Imprensa na nossa imprensa pública, quando o assunto belisca a imagem do Titular do Poder Executivo, um mau exemplo verificado na imprensa nos Governos de José Eduardo dos Santos? Será que os nossos órgãos públicos de comunicação social ainda estão a receber as antigas “ordens superiores”? Ou temos auto-censura com medo de perder o cargo ou o emprego?
Como Jornalista e Cidadão – e mesmo como Conselheiro da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), é isto que me preocupa, fora dos subjectivismos de quem esteja no lado da verdade.
Não cabe à imprensa fazer juízo de valor. À imprensa cabe reportar os factos com o devido contraditório. São os consumidores das notícias que devem tirar ilações. Não somos nós que devemos dizer que A ou B é que tem razão, quando se trata de fazer notícia com pluralismo e imparcialidade para satisfazer os vários públicos.
Não é bom para nós, angolanos, termos uma imprensa pública apenas virada para notícias que mostrem que a família dos Santos é culpada de todos os males de Angola.
A nossa imprensa, pública e privada, deve cumprir os pressupostos legais: imparcialidade, isenção, objectividade e rigor para satisfazer o interesse público.
Se em Portugal a entrevista de Isabel dos Santos gerou notícias – e deixou que o público português, e não só, tirasse as suas ilações – o mesmo não podemos afirmar dos telespectadores angolanos que apenas dependem do serviço público da Televisão Pública de Angola.
Isto só mostra que a balança está claramente inclinada. E é mau, do meu ponto de vista, para o legado do actual Presidente da República João Lourenço no que às liberdades no exercício jornalístico diz respeito.
Carlos Alberto
16.01.2020