ACORDOS “VAZIOS” ENTRE TPA, RNA, RTP E LUSA
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)
Ontem manifestámos a nossa preocupação pelo facto de a Televisão Pública de Angola (TPA) e a Rádio Nacional de Angola (RNA) não terem feito menção, nos seus jornais, do conteúdo noticioso da entrevista realizada pela RTP África à cidadã e empresária angolana Isabel dos Santos. Hoje a nossa preocupação ganhou mais forma: nem a TPA nem a RNA conseguiram pôr nos seus jornais, com mais de 24 horas depois, peças jornalísticas sobre a entrevista à Isabel dos Santos, mesmo que fosse só para passar a sua versão sobre o que a TPA e RNA deram destaque nos seus jornais: o arresto das contas de Isabel dos Santos em empresas em Angola.
Recordamos que a TPA e a RNA não podem alegar não ter tido acesso à referida entrevista, uma vez que no dia 18 de Setembro de 2018, o Estado, os angolanos, testemunharam a assinatura de dois protocolos de cooperação, rubricados pela TPA, na sua sede em Luanda, na pessoa do presidente do Conselho de Administração José Guerreiro, pela RNA, nas suas instalações em Luanda, na pessoa do presidente do Conselho de Administração Marcos Lopes, pela RTP (Rádio e Televisão de Portugal), na pessoa do presidente do Conselho de Administração Gonçalo Reis e pela Agência de Notícias LUSA, na pessoa do presidente do Conselho de Administração Nicolau Santos, com o então ministro da Comunicação Social João Melo à testa da iniciativa.
Os dois acordos assinados em 2018 visam, de acordo com o que se noticiou na altura, “a troca de conteúdos, assistência técnica, formação e superação de quadros e ainda visitas e trocas de experiência entre os subscritores”.
Ora, se os acordos visam “a troca de conteúdos”, qual a dificuldade que a TPA e a RNA encontraram para não fazerem nenhuma peça jornalística sobre o assunto de arresto de bens de Isabel dos Santos, se as duas estações noticiaram o conteúdo do despacho-sentença do Tribunal Provincial de Luanda no dia 30 de Dezembro de 2019, contra a senhora em causa, sem se ouvir o contraditório?
Se se alega que a ausência de Isabel dos Santos do país seja o motivo de os órgãos públicos de Comunicação Social (Jornal de Angola, Angop, TPA e RNA) terem feito notícias contra a senhora, sem o devido contraditório, um preceito obrigatório na nossa profissão, para primar pela imparcialidade, isenção, objectividade e rigor, como manda a Constituição, a Lei n.°1/17, de 23 de Janeiro, a Lei de Imprensa, a Lei n.°3/17, de 23 de Janeiro, a Lei Sobre o Exercício de Televisão e a Lei n.°4/17, de 23 de Janeiro, a Lei Sobre o Exercício de Rádio, por que os dois acordos supracitados não serviram para que a RTP disponibilizasse a referida entrevista à TPA e à RNA, que, por sua vez, servissem para Angop e Jornal de Angola, uma vez que a linha editorial destes órgãos é a mesma?
Tínhamos chamado atenção no nosso artigo anterior que a imprensa pública não pode estar apenas num lado da moeda. Não cabe à imprensa fazer juízos de valores de quem quer que seja. À imprensa só cabe reportar factos para que os consumidores do exercício jornalístico tirem as suas ilações sobre a verdade.
Se Angola fosse um país normal, com os acordos assinados entre as referidas empresas, a TPA e RNA teriam de justificar publicamente as razões objectivas de estarem a omitir o conteúdo de uma entrevista que gerou um contraditório de uma matéria abordada nas duas estações.
Se a nossa imprensa pública fosse de um país normal, nesta altura todos os órgãos públicos já teriam noticiado o que a senhora Isabel dos Santos disse, nem que, para isso, fosse também buscar o contraditório do Presidente da República João Lourenço e do ex-vice-presidente da República Manuel Vicente, acusados na entrevista. É assim que um jornalismo sério actua.
O jornalismo não serve para levar o Poder Político ao colo. Quem deve explicar o que se passa são os visados nas matérias jornalísticas. Não cabe a nós jornalistas estar a fazer juízos antecipados de valor, com apenas uma versão de um problema. Foi, a grosso modo, o que defendemos na recente entrevista que a Rádio Ecclesia realizou.
Nós temos de ter cuidado para não estarmos a cometer os mesmos erros do passado: tudo que era contra José Eduardo dos Santos, o ex-Presidente da República, não passava na TPA, RNA, Angop nem no Jornal de Angola.
Para alterar a imagem de Angola lá fora, não basta estarmos a apregoar um “combate à corrupção”, se o fim último do Direito, a Justiça, não estiver a ser realizado.
Não pode existir Justiça, em nenhuma parte do mundo, se os acusados não tiverem oportunidade para se defender – mesmo que mintam!
O legado de João Lourenço, no combate à corrupção, não pode ser positivo e inspirador para futuros presidentes de Angola, se a imprensa pública apenas mostrar um lado da moeda que favoreça os ventos do actual Governo. Um combate à corrupção com injustiças é outra promoção de corrupção.
Carlos Alberto
17.01.2020