
OS “TÍTULOS ENGANADORES” E A NÃO REGULAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)
Tem sido frequente vermos títulos de jornais que nos fazem comprá-los, quando no desenvolvimento da matéria aparentemente jornalística não há nada que justifique uma eventual escolha do título que nos fez comprar o jornal, o que acaba por ser uma “fraude” e nos dá uma sensação de arrependimento por termos comprado tal “jornal enganador”.
Os jornalistas devem ser fiéis ao que reportam. Devem evitar sensacionalismos, pois os princípios éticos e deontológicos da nossa profissão nos mandam exercer a profissão com rigor. A falta de rigor na elaboração de uma notícia constitui, também, violação à lei. A nossa lei de imprensa prevê e condena tais práticas, uma vez que os cidadãos (os leitores) devem ser protegidos pelo Estado.
E o Estado, para esses casos, aparece com o Ministério da Comunicação Social (MCS) e a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), que são o garante da não violação à lei no exercício da actividade jornalística.
Com maior incidência nos jornais privados, os “títulos enganadores” têm sido uma prática constante, que não podem ser confundidos com “criatividade”, “liberdade de expressão” ou “liberdade de imprensa”. Ter criatividade para se elaborar um título, tal como mandam os manuais de jornalismo, não significa necessariamente distorcer a mensagem só para criar impacto ao leitor. Criatividade, sim, mentira, não.
O jornalista, editor, chefe de redacção ou director que “inventa” títulos que não casam com o corpo do texto da sua notícia deve ter consciência de que está a violar a própria liberdade de expressão e de informação, a liberdade de imprensa e os princípios éticos e deontológicos da sua profissão, pois não está a salvaguardar o direito do seu leitor ser informado com verdade, rigor, objectividade, imparcialidade e isenção.
Podíamos dar exemplo de vários “títulos enganadores” de certos “jornais privados” para sustentar a nossa tese.
O que nos chamou atenção para elaborarmos esta reflexão, já que estamos a notar ser uma tendência algo exagerada nos últimos tempos na nossa imprensa, é a manchete de hoje do Jornal de Angola : “Luta contra o terrorismo junta estadistas no Quénia”.
Quem lê este título pensa logo que os chefes de Estado e de Governo que estarão nessa Cimeira em Nairobi vão reunir-se para discutir o assunto “combate ao terrorismo”, como uma necessidade urgente ou que seja o ponto único da agenda. E o leitor angolano vai perguntar-se: o que isso tem a ver connosco para ser uma manchete no Jornal de Angola? Estamos a correr riscos de “ataques terroristas”? O jornalismo serve, essencialmente, para alertar quem decide a não cair em erros.
Se lermos o texto, vamos encontrar “Ao todo, 79 chefes de Estado e de Governode África, Caraíbas e Pacífico (ACP) discutem,
a partir de hoje, em Nairobi, Quénia, aquestão das mudanças climáticas, governaçãodos oceanos, luta contra o terrorismo, extremismo violento e estratégias para a sua erradicação. Durante a Cimeira, que acontecesob o lema “Um grupo ACP transformado e comprometido com o multilateralismo”, os Chefes de Estado e de Governo vão, também, analisar a dinâmica e o desenvolvimento social e económico dos Estados-membros.”.
Se se vai analisar um conjunto de temas acima descritos, por que o Jornal de Angola veio dizer que os estadistas lá estão para discutir “luta contra o terrorismo”? Por que não “o desenvolvimento social e económico dos Estados-membros” (o maior problema actual de Angola)? Qual foi o critério de se escolher “terrorismo” no título? Não faz sentido.
Estamos aqui em presença de um “título enganador” que deve ter feito muita gente comprar o Jornal de Angola de hoje, 9, quando, no texto, “o terrorismo” nem por isso tem relevância para o leitor angolano. Estes exemplos constituem violação aos direitos dos cidadãos angolanos, que não podem ser enganados por “títulos enganadores”.
A pior parte é que os reguladores (MCS e ERCA) não fazem cumprir a lei para que esses “títulos enganadores” deixem de existir. Os direitos dos leitores são violados sem consequências para ninguém. Nenhum país evolui quando se promove a impunidade sob capa de “liberdade de expressão” ou “liberdade de imprensa”. Um país que viola sistematicamente a lei, e ninguém diz nada, não pode ser considerado próspero.
Carlos Alberto
09.12.2019