
QUANDO É QUE O MPLA E A UNITA VÃO DEIXAR DE SER PARTIDOS ESQUIZOFRÉNICOS?
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)
As correntes de ideias e de opiniões contrárias sobre a melhor forma de dirigir um partido político contra uma posição do líder, o presidente do partido, constituem, no MPLA e na UNITA – dois partidos que vieram do período da Libertação Nacional –, um dos principais males, que prejudicam o pluralismo de ideias dentro dessas organizações partidárias, um cancro que acaba por se estender na governação de Angola, uma vez que são estes os principais actores que gerem o país, tanto nos elogios quanto nas críticas e indicações de pessoas para as instituições públicas.
O MPLA e a UNITA são a base da política angolana. São dois rivais que não gostam perder terreno para o outro. Até nos maus exemplos são semelhantes! Os seus problemas internos, mal geridos, são também a base do atraso no desenvolvimento de Angola. Os dois partidos históricos vivem momentos de esquizofrenia. Aliás, nunca saíram de lá.
No fórum psiquiátrico, a esquizofrenia é definida como uma doença mental complexa, caracterizada pela incoerência mental, que mostra uma personalidade dissociada e ruptura de contacto com o mundo exterior. O que queremos dizer? Queremos dizer que os dois partidos fazem discursos de que são apologistas de incentivos a ideias contrárias às do chefe, mas, na verdade, não admitem, com bons olhos, ideias contra os pensamentos do presidente do partido. Foi assim com Agostinho Neto, José Eduardos dos Santos e Jonas Savimbi. Está a ser assim com João Lourenço e com Isaías Samakuva – embora Samukuva demonstre maior maturidade política na aceitação de ideias contrárias, de acordo com a nossa observação.
O Partido Democrata, Democratic Party, nos Estados Unidos, o Partido Trabalhista, Labour Party, no Reino Unido, o Partido dos Trabalhadores, PT, no Brasil – só para citar alguns que evoluíram graças às distintas correntes internas –, incentivam, na prática, a existência de correntes internas com ideias diferentes de quem ganha as eleições. O Labour Party faz isso há mais de cem anos.
No Brasil, o PT entende que a democracia não é o exercício do poder da maioria. Para ele, democracia é mais do que pôr na superestrutura do partido os que comungam das mesmas ideias de quem ganha as eleições. Quem ganha forma a sua estrutura para liderar o partido, mas só terá respeito no seio do partido se respeitar as minorias.
Nesses partidos que citámos acima, que são históricos nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Brasil, as minorias são até estimuladas para continuarem a exercer pressão às tendências da maioria. Parece estranho? É verdade. Todos eles foram criados com tendências diferentes – o mesmo que aconteceu com o MPLA e a UNITA, que afastaram e mataram (tiraram a vida) os que tinham perspectivas diferentes dentro do mesmo partido. O PT, o maior partido do Brasil, para dar aqui um exemplo mais próximo de Angola, foi criado com muitas tendências de esquerda e de centro-esquerda dentro do partido e até hoje mantém as diversas tendências internas. Não precisa afastar nem matar ninguém que defende outras ideias.
O MPLA tem a sua grande mancha negra na história, devido a tendências diferentes dentro do partido, com as matanças que ocorreram no 27 de Maio de 1977. A UNITA tem a sua grande mancha negra na história pelo que aconteceu com todos os que tentaram afrontar Jonas Savimbi dentro da UNITA. E há varios relatos que apontam que os dois partidos históricos de Angola são os que mais falam sobre a necessidade do respeito pelas minorias, mas são eles, no entanto, que violam o que eles próprios defendem nos discursos. É aqui onde está a esquizofrenia política.
No Brasil, o PT entende que a disputa interna no partido é que torna o partido vivo e não a unanimidade. Há um mês, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores (PT) teve o “Processo de Eleições Diretas do PT (PED)”, dois milhões de brasileiros vão à sede do país inteiro nos 5 mil dos 5mil e 600 municípios que o Brasil tem e todos os filiados do PT vão votar. E vão votar por tendências dos grupos internos. E os grupos estão identificados abertamente. Há correntes no PT que defendem que o partido é dos trabalhadores, mas não está a dar a devida atenção aos sem terra e aos índios. Outro grupo diz que o partido é dos trabalhadores, mas ninguém está a defender os gays, as lésbicas e as travestis. Outro grupo defende que os direitos dos trabalhadores estão a ser violados e que é preciso que o PT saia à rua para defender os trabalhadores com paus e pedras, se for possível. Há tendências que defende os direitos dos trabalhadores negros. Enfim, estas correntes dentro do mesmo PT são incentivadas por quem ganha. A disputa é no campo das ideias durante todo o tempo de discussões internas.
Como é que eles fazem para manter viva a disputa de tendências internas sem haver risco de tumultos internos e perda de quadros para os partidos concorrentes? É uma boa pergunta.
Após o acto eleitoral, todas as tendências terão representação no executivo nacional. Por exemplo, a tendência que defende os sem terra teve 16% dos votos. Quando se constituir o executivo do partido – aqui em Angola podemos chamar “Bureau Político” no caso do MPLA que é mais conhecido –, a tendência que defendeu os sem terra será representada pelos assentos dos 16%, conforme resultado das eleições. Ou seja, o executivo do PT atribui assentos no “Bureau Político” de acordo com as percentagens de cada tendência. E é tudo feito abertamente. Não há sentimentos de vingança por parte de quem ganha, pelo facto de outras tendências terem votado em tendências diferentes de quem obteve a maioria dos votos. O presidente do partido respeita as minorias porque os estatutos do partido o obrigam a proceder de tal maneira. Só assim é que eles consideram haver uma verdadeira democracia: respeito pelas minorias. As minorias têm voz e têm direito a estar nas principais discussões do rumo do partido, desde a estrutura mais alta até à mais baixa. O debate é sempre de ideias. Os que tiverem melhor argumento conquistam o voto da maioria, mas as minorias nunca desaparecem.
Em Angola, os dois partidos tradicionais esquizofrénicos – o MPLA e a UNITA – falam tanto em democracia para os seus partidos e para o país, mas, na verdade, combatem as tendências internas diferentes do da do chefe. É aqui onde reside o nosso grande mal para o país.
Por exemplo, aquando do recente Congressso da JMPLA, o Presidente do MPLA João Lourenço disse, com cobertura em directo da TPA, que os seus inimigos estão dentro do MPLA, que supostamente estarão a financiar quem escreve nas redes sociais para promover desestabilidade no país. Se João Lourenço percebesse mais de democracia, mais de política, jamais diria o que disse. É normal que, em face de um combate à corrupção que decidiu implementar, houvesse reacções diferentes por parte de outras tendências dentro do mesmo MPLA. Esperar que todos lhe batessem palmas e facilitassem o seu trabalho é de uma ingenuidade política sem precedentes. Foi exactamente o mesmo mau sinal que deu à sociedade quando realizou um congresso extraordinário para, no fundo, afastar Álvaro Boavida Neto do cargo de secretário-geral, só porque ABN afirmou numa entrevista que nunca estaria contra José Eduardo dos Santos.
No PT do Brasil, por exemplo, Álvaro Boavida Neto teria lugar de secretário-geral, mesmo com um presidente que defendesse uma outra corrente. Ele podia defender a sua tendência sem haver necessidade de ser afastado, muito menos perseguido, como afirma a filha de José Eduardo dos Santos Tchizé dos Santos. As tendências diferentes tornam o partido vivo. Quem acha que a sua tendência tem mais sustentação, incluindo o presidente, deve ir ao debate de ideias e não afastar ou perseguir os que pensam diferente. Quem pensa diferente até pode fazer-nos evoluir mais rápido. A concorrência, no debate de ideias diferentes, traz evolução em qualquer organização partidária. O MPLA precisa de imitar o PT do Brasil. E são, até, partidos com boas relações. Por que não se imita o que os outros têm de bom?
Em relação à UNITA, está em curso a fase de campanhas eleitorais para a eleição do terceiro Presidente da UNITA. A UNITA tem 5 candidatos para o cargo de Presidente. Essas 5 candidaturas mostram 5 tendências diferentes dentro da UNITA. Isto não é tão mau, como muitos afirmam por aí. Supondo que o primeiro candidato tenha 51%, o segundo 20%, o terceiro 13%, o quarto 9% e o quinto 7%, se a UNITA fosse o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, formaria um executivo nacional com as mesmas percentagens de assentos: o presidente eleito indicaria 51% dos assentos, o segundo indicaria 20% dos assentos, o terceiro indicaria 13% dos assentos, o quarto indicaria 9% dos assentos e o quinto indicaria 7% dos assentos para que as diversas correntes, dentro da UNITA, se mantivessem vivas.
Portanto, a oposição, dentro de cada partido, deve ser estimulada para se criar desafios crescentes. Um presidente não tem de ter unanimidade dentro dos partidos. As unanimidades escondem falsidades. É preciso que os nossos partidos históricos deixem de ser esquizofrénicos. Quem ganha não pode ganhar tudo. Quem perde não pode perder tudo. Não pode haver sentimentos de vinganças internas, só porque alguém é de uma corrente contrária a do presidente. Isto é que não nos permite evoluir. É por isso que nos tornámos falsos. É por isso que até nos órgaos públicos quem critica o chefe é imediatamente despedido.
Criou-se uma cultura extremamente errada de se afastar todos os que defendem correntes diferentes. A UNITA, neste congresso, pode já começar a fazer história. E pode já começar a dar aulas de democracia ao MPLA. Pode mudar os estatutos para que o presidente eleito respeite a voz das minorias. Os outros, com mais anos de experiência política que nós, fazem isso. É por isso que são mais propensos em respeitar ideiais diferentes quando atingem o cargo máximo de Presidente da República. Quem não exercita o respeito pelas minorias dentro do seu partido não está capacitado para respeitar minorias quando estiver a governar Angola. Provem-nos, primeiro, que vocês são mesmo democratas e que respeitam as minorias que vos contrariam. Caso contrário, não merecem o nosso voto consciente em 2022.
Carlos Alberto (in facebook)
Por Respeito Pelas Minorias Dentro Dos Partidos E Do País
28.10.2019