
Governador de Cabinda promove guerra contra ministro do Interior?
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)
Uma notícia publicada pelo Jornal de Angola (JA), no dia 17 de Agosto, no passado sábado, num texto assinado pela jornalista Leonor Mabiala, dá conta de uma eventual promoção de “guerra contra os antecessores”. João Lourenço, o actual Titular do Poder Executivo, foi o primeiro a promover uma “guerra contra o seu antecessor José Eduardo dos Santos”, e tudo indica ser agora uma “tendência natural” da actual postura dos governantes angolanos, mesmo sendo todos do partido que sustenta o Governo, o MPLA.
O JA traz, na referida edição, uma notícia com o título “Governador descontente com a qualidade das obras”, fazendo menção de que “o governador provincial de Cabinda, Marcos Nhunga, manifestou descontentamento pelo facto de várias infra-estruturas públicas na comuna de Tando-Zinze, situada a 75 quilómetros da capital (Cabinda), não terem qualidade e custado aos cofres do Estado preços exorbitantes.”.
Segundo a notícia, tai alegações do novo governador de Cabinda foram feitas no decurso de visitas onde constatou haver “projectos mal executados e com preços muito altos”.
A jornalista do JA escreveu que o governador de Cabinda manifestou a sua “má disposição” “porque com o dinheiro que o Governo disponibilizou poderia ter-se feito melhor e evitar-se as reiteradas reclamações da população”, dizendo que o governador Marcos Nhunga afirmou isto no final de uma visita a várias aldeias de Tando Zinz, em Cabinda.
Segundo o JA, Marcos Nhunga apontou como exemplo o projecto de abertura de furos artesianos no município de Cabinda, como sendo a prática evidente de má gestão e de sobrefacturação:
“Não se pode compreender que a abertura de um furo artesiano custe entre 25 a 45 milhões de kwanzas. Na maior parte das aldeias do município de Cabinda, não tem água potável, as estradas secundárias e terciárias estão degradadas, os postos médicos têm muitas dificuldades, os que existem não possuem água potável nem tão pouco energia eléctrica”, lamentou o governador da província de Cabinda, escreve o Jornal de Angola.
O jornal diz que Marcos Nhunga prometeu criar, nos próximos dias, uma unidade para inspeccionar a actividade do seu elenco e que avançou que as administrações municipais, secretarias provinciais e “o próprio Governo Provincial serão as principais instituições onde a acção da inspecção far-se-á sentir rigorosamente”, com vista a banir muitos vícios:
“Pedimos o comprometimento de todos os gestores para a mudança de consciência, para evitarem situações adversas. Advertimos os que têm vício de desviar fundos públicos para deixarem, porque, durante o meu mandato, não irei tolerar esse tipo de comportamento e os que agirem deste modo irão para a cadeia”, advertiu Marcos Nhunga, segundo o JA.
Análise

Não consigo olhar com bons olhos como um novo governador que tomou posse no dia 26 de Agosto de 2019, e no dia 16 de Agosto – em menos de um mês no seu novo cargo! – vem dizer publicamente que o seu antecessor praticou – ou deixou praticar – uma má gestão com vícios de sobrefacturação, colocando o “bom nome”, “imagem”, “honra” e “reputação” do novo ministro do Interior, Eugénio Laborinho – que entrou para o cargo com discursos muito optimistas de pretender combater os barões da droga, e que até mereceu o meu elogio público – em causa.
Variável A – Como é possível chegar a tal conclusão, a olhos nus, numa visita, em menos de um mês no seu novo cargo e já perceber, em menos de um mês, “reiteradas reclamações da população”?
Variável B – Mesmo que tenha havido sobrefacturação por parte de Eugénio Laborinho, compete ao governador Marcos Nhunga afirmar categoricamente ter havido má gestão e sobrefacturação?
Variável C – O facto de Marcos Nhunga pertencer à mesma máquina partidária, comandada por João Lourenço, não devia ser motivo de uma não exposição pública de eventuais erros ou crimes do seu antecessor, do mesmo partido e do mesmo Governo?
A postura de discursos de ruptura contra o passado, promovida pelo Chefe de Estado João Lourenço – apontar todos os defeitos ao passado, sendo ele “o novo salvador da pátria” e o “santo” no meio dos pecadores do seu partido – pode estar a criar um novo fenómeno que não víamos em Angola: uma ideia de que os novos são sempre melhores que os antigos. Até podem ser. Mas há mesmo “novos” e “antigos” no Governo de Angola?
Marcos Nhunga, na verdade, acabou por dar um tiro no seu próprio pé, na medida em que o governante a quem acusou, de forma indirecta, acabou por ser promovido para o cargo de ministro de Interior, gozando da confiança do mesmo chefe: João Lourenço.
Não quero pensar que o Presidente da República João Lourenço esteja a nomear para o seu Governo pessoas que, mesmo não tendo um bom currículo na governação do país, possam merecer a sua confiança com base em avaliações subjectivas (meramente políticas) e não objectivas (científicas). Não me parece que JLo seja assim tão “amador” para exonerar o senhor Ângelo da Veiga Tavares – sem nenhuma explicação nem balanço do seu desempenho, para não variar, uma situação que acontece com todos, ninguém presta contas quando é exonerado! – com o sentido de o substituir por alguém que, afinal, tem provas de “má gestão” e de “sobrefacturação”.
Há aqui de facto variáveis que não fazem sentido. E não faz mesmo sentido que, sem uma avaliação de órgãos competentes do Estado – para a prestação de contas de tais obras “sobrefacturadas” –, venha um gestor público, que pertence ao mesmo partido que governa (ou desgoverna) Angola, dizer que quem o antecedeu, em menos de um mês, não teve os seus “olhos preciosos” em visitas.
O que me parece razoável é ver um novo governador apelar a boas práticas de gestão ao seu staff e, se conseguisse determinar que o seu antecessor cometeu as tais “más práticas” e “sobrefacturação”, accionar os mecanismos legais – órgãos competentes – para que Eugénio Laborinho respondesse política, administrativa e judicialmente pelo que terá feito e nunca ser ele próprio a dizer ao público o que os seus “olhos preciosos” viram numa visita. Até pode ver. Mas é preciso investigar se os indícios correspondem ou não à suspeita. O discurso de um governador não pode ser leviano.
Penso que, tal como o Presidente da República João Lourenço, nós, em Angola, não estamos a lutar propriamente contra as “más práticas” do passado. Estamos a lutar contra “pessoas”, atropelando a Constituição e a lei, a ética, a deontologia, princípios de urbanidade e mínimos de razoabilidade de camaradas do mesmo partido, fazendo crer à opinião pública que os “Santos” são os “novos” e os “pecadores” são os antigos, mesmo que não haja aparente distinção entre os que vão para o céu e os que vão para o inferno.
Uma coisa é certa: com esta denúncia do governador de Cabinda, o Titular do Poder Executivo João Lourenço acaba por ficar muito mal na fotografia, uma vez que deixa no ar uma ideia pública de que as exonerações e nomeações que está a fazer só servem para angolês ver, ou seja: continuamos com as mesmas “más práticas de gestão” e “sobrefacturações” de titulares de cargos públicos, mas só alguns, muito bem seleccionados, é que podem ser condenados por crimes de desvios de fundos públicos.